“STF anula Ficha Limpa nas eleições de 2010
Por 6 a 5, o Supremo Tribunal Federal anulou a validade da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010. A decisão beneficia políticos que obtiveram votos para se eleger, mas não assumiram os cargos. A legislação provavelmente valerá em 2012. Com o voto do novo ministro, Luiz Fux, o Supremo formou entendimento de que a lei não poderia ter sido aplicada em 2010 por causa do princípio da anualidade.”
Agora leiam com cuidado como o iG-Último Segundo divulgou a mesma notícia no mesmo dia (24/3):
“O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) respondeu a uma consulta do senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) e entendeu que a Lei da Ficha Limpa deve valer para as eleições de 2010. Com ela, cidadãos condenados por um órgão colegiada da Justiça (mais de um juiz), não poderão se candidatar no próximo pleito.
A polêmica em torno da Ficha Limpa se deu devido ao princípio da anterioridade. Ele prevê que alterações na Legislação Eleitoral devem ocorrer um ano antes do pleito. Como a lei só foi sancionada em quatro de junho, o tempo necessário para sua aplicação não teria transcorrido.”
Notaram como mudou de anualidade para anterioridade?
São a mesma coisa? Não. Anterioridade, irretroatividade e anualidade são coisas diferentes, embora vários jornalistas estejam usando, erroneamente, os termos como sinônimos.
Irretroatividade significa que a lei não volta no tempo. Uma lei publicada hoje não vale ontem. Essa é a regra. Existem exceções. Por exemplo, as leis penais mais benéficas ao condenado retroagem no tempo. É o que está no art. 2º de nosso Código Penal, que estabelece que “ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”. Ou seja, se for publicada uma lei que legalize o uso de drogas, as pessoas atualmente submetidas a tratamento por serem usuárias poderão se beneficiar da nova lei, ainda que tenham sido condenados antes de sua publicação. Em outras palavras, nesses casos a lei retroage. Mas, como dito, a regra é que as leis não retroagem. Você não pode ser condenado amanhã por algo que você fez ontem se a nova lei só passou a existir hoje. Caso contrário, todos teríamos que ter bola de cristal para saber quais leis serão promulgadas no futuro.
Já o princípio da anterioridade diz que algumas normas só passam a valer um determinado tempo depois de sua publicação.
Para ficar claro, vamos ler o que diz os artigos 150, III, ‘a’ e ‘b’ de nossa Constituição, que são exemplos do princípio da irretroatividade e da anterioridade, respectivamente:
- Irretroatividade: “É vedado à União (…) cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”
- Anterioridade: “É vedado à União (…) cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”
E a anualidade? O princípio da anualidade é uma espécie de princípio da anterioridade com anabolizante: ele diz que a nova lei só pode ser aplicada um ano depois de publicada. É o que aconteceu no caso da Ficha Limpa. Se fosse só o caso de anterioridade, a lei teria sido aplicada nas eleições de 2010, já que ela foi publicada bem antes das eleições e dizia que entraria em vigor imediatamente. Mas a Constituição, em seu artigo 16 diz que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. Reparem que a Constituição diz que a lei já está valendo no momento de sua publicação (em vigência), mas só passa a ser aplicada depois de um ano de sua validade. Em outras palavras, a validade acontece imediatamente após sua publicação (“entrará em vigor na data de sua publicação”), mas a aplicação, por conta do princípio da anualidade, só para as eleições que ocorrerem um ano depois de ter entrado em vigor.
Portanto, quando estiver se referindo à Ficha Limpa, o correto é dizer que ela não foi aplicada nas eleições de 2010 por conta do princípio da anualidade, e não dos princípios da irretroatividade ou anterioridade.